Autor Olavo de Carvalho
Sartre explica o "post coitum triste" como resultado da vergonha que o "para si" (consciência) sente por haver sacrificado sua liberdade às exigências do "em si" (corpo). Mas quem disse que a compulsão sexual vem do puro corpo? Onde surgem as imagens sensuais e oníricas que nos põem no encalço da satisfação sexual? Se fosse no corpo enquanto tal, separado da consciência, nem repararíamos nelas, como não reparamos no funcionamento das nossas glândulas de secreção interna. É na consciência que surge e se elabora o desejo, que em seguida o ambicioso "para si" incumbe o inocente "em si" de realizar para satisfazê-lo. A consciência pode deleitar-se em fantasias sexuais por horas e dias seguidos, mas o corpo é débil e só pode satisfazê-las por uns poucos segundos. O "post coitum triste" expressa apenas a decepção da presunçosa consciência com o pobre instrumento carnal que não consegue jamais realizar satisfatoriamente as suas ambições.
Sendo a forma do corpo, a alma contém em si, de maneira simultânea,todas as
possibilidades do corpo, mas ele, não sendo determinado só por ela e sim por todo o quadro espaço-temporal da existência terrestre, só pode realizá-las em escala muito limitada e um pouquinho de cada vez. A tristeza da alma no mundo terrestre não vem de que ela "se aliene" no corpo, mas de que o corpo a frustra e decepciona continuamente, por ser desprovido daquele toque de imortalidade que a alma antevê em si mesma e do qual ela desejaria, em vão, que o corpo desfrutasse também. O "post coitum triste" vem do fracasso de um sonho de imortalidade física que se desfaz repentinamente após o orgasmo. Se em vez de raciocinar dedutivamente a partir dos conceitos de "em si" e "para si", Sartre tivesse seguido a lição de seu mestre Husserl e examinasse a experiência real, teria compreendido isso.
Se valesse a pena analisar logicamente a filosofia de Jean-Paul Sartre, bastaria, para reduzi-la a pó, negar a sua premissa fundante, que é o dualismo cartesiano das substâncias. Quem aprendeu com Aristóteles e os escolásticos que a alma não é uma substância distinta e sim a forma do corpo não pode ler sem rir a descrição que Sartre faz do ato sexual, que Roger Scruton, por excesso de generosidade, considera "um paradigma da fenomenologia", mas que não passa de uma fantasia de menino malvadinho intoxicado de dualismo. Tanto que essa descrição se prolonga, sem alterar-se, na do sadomasoquismo, o que nos revela que Sartre jamais conheceu o sexo senão pelo lado sadomasoquista. Isso basta para mostrar que no estudo da sua obra o enfoque psicopatológico vale mais que a análise lógica.
O que pode confundir os incautos é que Sartre camufla o dualismo de Descartes sob a terminologia hegeliana do "em si" e do "para si" em vez de dizer simplesmente "corpo" e " alma".
Levar Jean-Paul Sartre demasiado a sério é prova de imaturidade.
Se a alma fosse uma substância separada do corpo, seria impossível compreender qualquer coisa da psicologia de um ser humano pela sua expressão corporal.
O dualismo está tão impregnado na cultura moderna, que a maioria das pessoas continua interpretando nesse sentido a afirmação de que "a alma é a forma do corpo". Entende forma no sentido de formato externo, ou no sentido da distinção entre o especial e o inespacial. Alguém diz, por exemplo, "A alma não tem glândulas". É claro que tem, A alma não é o formato, é a fórmula, o algorítmo, o princípio articulador, a lei de proporcionalidade intrínseca do corpo. Nada está no corpo que não esteja antes -- e depois -- na alma.
O algoritmo contém todas as mutações que a individualidade corporalizada pode sofrer ao longo da sua existência terrestre, separadas daquelas que não pode. Por exemplo, você pode ficar gordo ou magro, pode vir a ser um santo ou um genocida, mas não se transformará jamais numa vaca ou num trombone.
Sartre explica o "post coitum triste" como resultado da vergonha que o "para si" (consciência) sente por haver sacrificado sua liberdade às exigências do "em si" (corpo). Mas quem disse que a compulsão sexual vem do puro corpo? Onde surgem as imagens sensuais e oníricas que nos põem no encalço da satisfação sexual? Se fosse no corpo enquanto tal, separado da consciência, nem repararíamos nelas, como não reparamos no funcionamento das nossas glândulas de secreção interna. É na consciência que surge e se elabora o desejo, que em seguida o ambicioso "para si" incumbe o inocente "em si" de realizar para satisfazê-lo. A consciência pode deleitar-se em fantasias sexuais por horas e dias seguidos, mas o corpo é débil e só pode satisfazê-las por uns poucos segundos. O "post coitum triste" expressa apenas a decepção da presunçosa consciência com o pobre instrumento carnal que não consegue jamais realizar satisfatoriamente as suas ambições.
Sendo a forma do corpo, a alma contém em si, de maneira simultânea,todas as
Charge de Sartre |
Se valesse a pena analisar logicamente a filosofia de Jean-Paul Sartre, bastaria, para reduzi-la a pó, negar a sua premissa fundante, que é o dualismo cartesiano das substâncias. Quem aprendeu com Aristóteles e os escolásticos que a alma não é uma substância distinta e sim a forma do corpo não pode ler sem rir a descrição que Sartre faz do ato sexual, que Roger Scruton, por excesso de generosidade, considera "um paradigma da fenomenologia", mas que não passa de uma fantasia de menino malvadinho intoxicado de dualismo. Tanto que essa descrição se prolonga, sem alterar-se, na do sadomasoquismo, o que nos revela que Sartre jamais conheceu o sexo senão pelo lado sadomasoquista. Isso basta para mostrar que no estudo da sua obra o enfoque psicopatológico vale mais que a análise lógica.
O que pode confundir os incautos é que Sartre camufla o dualismo de Descartes sob a terminologia hegeliana do "em si" e do "para si" em vez de dizer simplesmente "corpo" e " alma".
Levar Jean-Paul Sartre demasiado a sério é prova de imaturidade.
Se a alma fosse uma substância separada do corpo, seria impossível compreender qualquer coisa da psicologia de um ser humano pela sua expressão corporal.
O dualismo está tão impregnado na cultura moderna, que a maioria das pessoas continua interpretando nesse sentido a afirmação de que "a alma é a forma do corpo". Entende forma no sentido de formato externo, ou no sentido da distinção entre o especial e o inespacial. Alguém diz, por exemplo, "A alma não tem glândulas". É claro que tem, A alma não é o formato, é a fórmula, o algorítmo, o princípio articulador, a lei de proporcionalidade intrínseca do corpo. Nada está no corpo que não esteja antes -- e depois -- na alma.
O algoritmo contém todas as mutações que a individualidade corporalizada pode sofrer ao longo da sua existência terrestre, separadas daquelas que não pode. Por exemplo, você pode ficar gordo ou magro, pode vir a ser um santo ou um genocida, mas não se transformará jamais numa vaca ou num trombone.
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