Stanley L. Jaki nasceu na Hungria em
17 de agosto de 1924 e faleceu em 07 de abril de 2009. Suas
credenciais eram e o são insuspeitas e impecáveis: Foi Doutor em
Teologia (Istituto Pontificio di S. Anselmo), mas também Doutor em
Física (Fordham University); foi professor Emérito da Universidade de
Seton Hall (Nova Jersey); Doutor Honoris Causa por sete Universidades e
membro da Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano. O reconhecimento
da comunidade científica internacional também lhe conferem
credibilidade, difícil de se conquistar quando vive em dosi mundos
aparentemente inconciliávies (ciência e religião: Recebeu por suas
publicações os prêmios Lecomte de Nouy (1970) e Templeton (1987), além
de distinções por parte de algumas das mais renomadas universidades do
mundo, como Oxford e Yale. Em início de 1991 concedu uma entrevista
publica na revista Atlântida (Janeiro/Março de 1991, pp. 76-82), em que
fala sobre a turbulenta relação entre ciência e religião e o mundo
ateísta e materialista que a civilização gerou. Vale a pena relembra
seus ensinamentos.
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Dr. Jaki, o senhor afirmou que em todas as salas de aula e em
todos os laboratórios deveria estar gravada a frase de Maxwell (1): “Uma
das provas mais difíceis para uma mente científica é conhecer os
limites do método científico”. Que limites são esses
?
Os limites da Ciência (e ao falar Ciência refiro-me à sua forma mais
exata, a Física) são fixados pelo seu próprio método. O método da Física
versa sobre os aspectos quantitativos das coisas em movimento. Só
podemos aplicar legitimamente o método da Física quando captamos
aspectos quantitativos das coisas. Mas se diante das coisas
surgem questões como “Isso é bonito?” ou “Isso existe?” ou “Isso é
moralmente bom?”, então estamos fazendo perguntas que o método da Física
não permite responder. Hoje em dia – quando muitos desejam
respostas científicas para as suas perguntas – é muito importante que
essa limitação do método científico seja manifestada com clareza por
físicos de renome.
Os físicos têm uma grande autoridade epistemológica. Qualquer coisa dita
por um Prêmio Nobel de Física, mesmo que não esteja relacionada com o
seu campo específico de estudo, logo aparece publicada pela imprensa:
ele pode falar dos assuntos mais variados, e até dizer bobagens. Não
importa o que diga, é mais fácil ver as pessoas duvidarem de si mesmas
antes de duvidarem de um Prêmio Nobel de Física. Alguns físicos têm
abusado muito da confiança que as pessoas depositam neles. De qualquer
modo – e tendo em vista que esses abusos acabaram tornando-se coisa de
rotina –, descobrimos uma pista que nos leva a um dos maiores males da
cultura Ocidental contemporânea: um interesse quase exclusivo por quantidades. Virou moda recorrer às estatísticas para analisar questões morais:
quantos agem desta maneira e quantos agem daquela outra? Depois – nos
raros casos em que se chega a alguma conclusão –, afirma se que é
preferível agir conforme a maioria.
Em outras palavras, o perigo “potencial” que existe no método científico
é o de que sob a sua influência podemos acabar quadriculando a nossa
sensibilidade em padrões previamente fixados. Já que um padrão pode ser
medido, podemos cair na tentação de pensar que encontraremos a resposta
para uma dada pergunta tão logo obtivermos certos resultados
quantitativos. Agindo assim, é possível que estejamos eliminando
justamente os aspectos mais interessantes da própria pergunta,
especialmente se ela for uma pergunta estética, moral ou sobre a
existência de algo.
Um cientista observa, por exemplo, uma amostra no seu microscópio. Ao
fazê-lo, aplica legitimamente o método científico. Mas esse método não
pode garantir-lhe nem mesmo o simples fato de que o microscópio existe e
está diante dele. Ponho ênfase nos verbos existir, estar e ser, pois
são os mais metafísicos de todos os verbos: o método da Ciência não sabe
lidar com eles.
Qual a sua opinião sobre unir os estudos humanísticos e os científicos num currículo universitário único?
Penso que os estudos humanísticos e os científicos devam estar separados. Não se deve tentar uni-los porque partem de diferentes pressupostos e
têm métodos também diferentes. Nas Humanidades, quando estudamos Dante,
por exemplo, não perguntamos quantas letras tem a Divina Comédia (ou
qualquer outra obra sua). Tal pergunta no campo científico seria até
cabível. Contudo, ao estudarmos obras literárias, o nosso propósito é
bem específico, e para esse estudo o método científico é de escassa
utilidade. As obras literárias geralmente trazem lições de
moralidade e de Ética; versam sobre os desígnios humanos, sobre o
destino, sobre as reações das diferentes pessoas perante dilemas de
consciência. Nenhuma dessas questões pode ser resolvida empregando-se o
método científico.Devemos cultivar tanto os aspectos
quantitativos das coisas quanto aqueles que não são mensuráveis, ou
seja, os seus aspectos qualitativos. O estudo dos aspectos quantitativos
pressupõe o método científico, mas as Humanidades partem de um método
distinto, e por isso devem ser tratadas de um modo diferente. O problema
da nossa cultura é que estamos condicionados por duzentos ou trezentos
anos de Ciência: por isso é tão difícil para nós tratar de questões
unicamente qualitativas. A grande importância que se dá à Ciência nos
tempos atuais torna ainda mais difícil a questão.
Gostaria de repetir uma coisa que já ressaltei muitas vezes: nenhum homem deve unir as coisas que Deus separou.
E de que modo ou em que sentido Deus separou essas coisas? O sentido é
que existe uma irredutibilidade conceitual entre os aspectos
quantitativos e qualitativos das coisas. Como exemplo poderíamos pensar
na ação de assassinar. Essa ação – pegar uma faca e cravá-la nas costas
de alguém – pode ser corretamente descrita em termos quantitativos:
pode-se medir o tamanho da faca, a profundidade da ferida e o momento
exato em que a vítima expirou. Ainda assim, tais dados não nos
permitiriam descobrir se a pessoa assassinada era inocente ou não, nem
se a ação foi moralmente lícita ou ilícita, nem tampouco se a pessoa que
cometeu o crime sentiu ou não sentiu remorsos.
Os aspectos físicos e morais de uma ação não podem ser equiparados
conceitualmente. É isso que quero dizer quando afirmo que ninguém deve
unir o que Deus separou. Não é que esses aspectos estejam separados no
sentido de que nada têm a ver um com o outro: simplesmente trata-se de
que, ao tentarmos compreender esses aspectos diferentes, devemos ter em
conta que estamos manejando conceitos totalmente distintos. Nesse
sentido as Humanidades não podem converter-se em Ciência, nem a Ciência
converter-se num ramo dos estudos humanísticos.
O senhor afirmou que o grande “crime” da nossa época é dizer que
o único conhecimento verdadeiro é aquele que pode ser medido
quantitativamente. Quais são as principais conseqüências desse “crime”?
É
um crime no sentido de que essas aplicações unilaterais do método
quantitativo privam o ser humano da sua sensibilidade para aspectos
incomensuráveis da existência. A principal conseqüência é a relativização dos pontos de vista morais.
Em vez de nos movermos numa perspectiva moral – segundo a qual uma ação
é intrinsecamente boa, ao passo que outra é intrinsecamente má –,
caminhamos segundo um modelo behaviorista. Essa é a base do relativismo
moderno, fundamentado na crença de que existem vários padrões de
comportamento válidos (ou, como se diz na popular expressão americana,
vários “estilos de vida alternativos”). A partir daí, já não se fazem
mais perguntas.
Como o senhor descreveria a atitude da Igreja Católica para com a Ciência, ao longo da História?
A atitude da Igreja para com a Ciência foi muito benéfica.
Considerada em si mesma, essa atitude não tem porque ser útil à Ciência
como tal, uma vez que o campo da Igreja não é o mundo da Ciência. Como
se dizia no tempo de Galileu – e como ele próprio afirmou, citando Santo
Agostinho – “a razão de ser da Igreja não é mostrar às pessoas como o Céu funciona, mas mostrar-lhes como chegar lá”.
O que se deve fazer quando as conclusões à que chega a Ciência são contrárias aos ensinamentos da Igreja?
Toda
conclusão científica é sempre quantitativa. Como tal, não tem conteúdo
moral nem sequer ontológico: o estatuto ontológico está pressuposto (2).
Quando um cientista ultrapassa o âmbito próprio da aplicação do método
científico, é preciso chamar-lhe a atenção e adverti-lo de que
ultrapassou os limites da sua competência. Em outras
palavras, quando nos deparamos com conclusões científicas opostas aos
ensinamentos da Igreja, não devemos jamais perder a calma.
Devemos especificar a natureza das objeções, sejam elas quantitativas ou
não. No primeiro caso, não é possível ir contra os ensinamentos da
Igreja; no segundo caso, não são objeções científicas: são objeções
filosóficas, éticas ou pseudofilosóficas, devendo ser tratadas como
tais.
Temos, por exemplo, o caso do aborto.
A Medicina contemporânea chegou tão longe que é possível realizar um
aborto sem prejudicar a mãe, desde que seja feito nas primeiras semanas
da gestação. Isso é um fato médico comprovado. Pois bem, isso não significa que o aborto seja moralmente lícito só porque se chegou a esse ponto.
Analisemos agora um caso de furto. Existem ladrões que agem com tal
perícia que ninguém percebe o que aconteceu. Será que nesses casos o ato
deixa de ser considerado um roubo só porque foi realizado com uma
esperteza exemplar?
Sempre é necessário recorrer a esta distinção fundamental: ou falamos
simplesmente de quantidades ou então estamos fazendo referência a uma
série de coisas não mensuráveis, e com conteúdo moral.
O senhor afirma que as premissas filosóficas que servem de
partida para o uso criativo do método científico são semelhantes às
premissas filosóficas a partir das quais é possível demonstrar a
existência de Deus. É correta, portanto, a afirmação de que essas
premissas são próprias de ontologias realistas (3) e que por isso a
Ciência demonstra a existência de Deus?
O método científico não demonstra a existência das coisas, muito menos a de Deus
. Voltemos à base de tudo. Como disse antes, tão logo um cientista afirme que “há um microscópio diante de mim”,
já está falando como um filósofo, tenha ou não conhecimentos de
Filosofia. A essência de toda prova da existência de Deus está ligada à
existência do Universo ou do Cosmos. Se existe um Universo – como de
fato existe – então a razão para a sua existência só pode ser atribuída a
um fator externo ao Universo. Esse fator é Deus. (Gostaria de indicar
que uso o termo Universo no sentido estrito da palavra: a soma de tudo.
Não pode haver dois Universos: a pluralidade de Universos é
contraditória em si mesma).
A Ciência moderna – mediante a Teoria da Relatividade Geral de Einstein –
dispõe de um método não contraditório e compatível com a atração
gravitacional que se observa em todos os entes materiais. Daí segue-se
que a noção de Universo, do ponto de vista da Ciência, é uma noção
legítima. Por que essa conclusão é tão importante? Porque Immanuel Kant, em seu ataque ao argumento cosmológico (4), declarou que ele não é concludente porque a noção de Universo é uma noção falsa. De fato, Kant escreveu que o conceito de Universo é um fruto ilegítimo dos desejos metafísicos do intelecto.
Mas os cosmólogos contemporâneos têm, no entanto, que basear seus
estudos na Teoria da Relatividade Geral de Einstein e, portanto, admitir
que o Universo é um conceito legítimo do ponto de vista científico.
Deste modo, a Cosmologia contemporânea destrói a objeção de Kant. E
mais: a Ciência atual apresenta-nos o Universo como algo extremamente
concreto, no espaço e no tempo. Conseqüentemente – e ao contrário do que
Kant afirmava – a Ciência não põe dificuldades à formulação de uma
pergunta tão própria da Metafísica como esta: “Por que o Universo é assim e não de outra maneira?”
Qualquer pessoa minimamente informada sobre a História do pensamento
nos últimos séculos poderá perceber que essa contribuição da Ciência ao
argumento ontológico é de suma importância.
O senhor acredita que as idéias filosóficas de cada cientista influem, ainda que de modo inconsciente, no seu trabalho?
Em
todas as épocas – seja no século XIX, no século XVIII ou mesmo no
século XIII – a maioria dos cientistas sempre compartilhou os mesmos
pontos de vista com os restantes grupos profissionais. É também verdade
que as hipóteses empregadas nos trabalhos não são, na maior parte dos
casos, um reflexo do próprio trabalho científico. Quando o são, o que
costuma acontecer é o aparecimento de formulações muito primitivas das
questões filosóficas. É portanto difícil que se consiga aprender
filosofia através das obras dos Prêmios Nobel. Isso é quase tão perigoso
quanto tentar buscar uma melhor compreensão da obra de Goya num
açougue, só porque nos açougues podemos encontrar carne ensangüentada.
Hoje em dia poucas coisas são tão perigosas ou nocivas como
ler obras escritas por pessoas que ganharam o Prêmio Nobel de Biologia,
Química ou Física e que tentam fazer divulgação científica
.
A leitura desse tipo de obras é ainda mais prejudicial quando se
procura aprender Ética com elas. Vejamos, por exemplo, o livro O acaso e a necessidade,
de Jacques Monod (5). Nesse livro, o autor não define em nenhum momento
o conceito de “acaso”. Se o livro já manca, do ponto de vista
filosófico logo no título, por que lê-lo então? A mesma coisa ocorre nos
livros de Ilya Prigogine (6) sobre a Filosofia da Ciência. O
autor afirma que, como a Ciência não pode prever os estados ulteriores
nos processos similares ao fluxo turbulento, então estes não são produto
de nenhuma causa. Esse é um argumento filosófico muito pobre.
O livro Uma breve História do Tempo, de Stephen Hawking, teve grande sucesso em todo o mundo. A que isso se deve?
Provavelmente ao fato de que o ambiente cultural contemporâneo está marcado pelo agnosticismo e pelo ateísmo. Em ambientes assim, as pessoas buscam na Ciência a confirmação de que Deus não existe.
Afinal, se não há Deus, pode-se fazer o que quiser; e isso é muito
reconfortante para um agnóstico ou para um materialista. Quando chegamos
a esse ponto, só nos resta uma pluralidade de modelos ou estilos de
vida alternativos, que cada um escolhe conforme mais lhe convenha.
Qual a sua opinião sobre o fato de muitos cientistas aceitarem a interpretação de Copenhague (7) para a Mecânica Quântica?
Essa interpretação é uma falácia
. Baseia-se na premissa de que se uma ação intermediária não pode ser medida com exatidão, então não pode produzir-se com exatidão.
É uma falácia porque na primeira parte da premissa a palavra exatidão é
usada em sentido operacional, e na segunda parte é usada em sentido
ontológico. Isso é errôneo, porque os dois campos não se relacionam.
Muito antes de Heisenberg (8) formular o Princípio da Incerteza,
em 1927, e de dar-lhe essa interpretação anticausal, muitos físicos de
renome, entre eles o próprio Heisenberg, já haviam rejeitado o princípio
da causalidade em outros campos. O que aconteceu foi que, em vez de
encontrarem na Ciência uma demonstração ou refutação da causalidade, o
que encontraram foi uma maneira de recobrir de cientificismo a sua
descrença na causalidade. Um disfarce como esse e uma demonstração
científica são coisas bem diferentes.
Procurou-se uma aparência científica porque a mentalidade da cultura moderna está baseada no pragmatismo e no relativismo.
Tal mentalidade busca recompensas imediatas e tenta ignorar as
conseqüências a longo prazo (que inexoravelmente ocorrerão, pois há
causalidade) das ações individuais. Para poder sustentar essa
mentalidade é necessário adotar um ponto de vista segundo o qual as
coisas parecem não ter coerência. A aparência de cientificismo que
encobre a rejeição da causalidade é o sustentáculo dessa reivindicação
pseudocultural de incoerência entre as coisas e as ações.
Em outras palavras, segundo essa perspectiva, a vida tem por fim passar
por muitos momentos imediatamente gratificantes, sem que seja preciso
pensar na relação entre uns momentos e outros, nem tampouco nas suas
conseqüências. Dito de outro modo: deve-se ter em conta que a
mentalidade atual está doente por causa do pecado original, como sempre
esteve e sempre estará. Sejam quais forem os argumentos que usemos, o
mundo continuará a manter uma certa mentalidade negativa diante dos
argumentos filosóficos puros e da religiosidade sincera.
Que diferença há entre a mente humana e um computador sumamente perfeito?
Se
considerarmos que a mente humana equivale ao cérebro – que é um
conjunto de moléculas – então é possível estabelecer um paralelismo
entre o cérebro e um computador. Mas quem demonstrou que a mente se reduz ao cérebro?
Se “tudo” é assunto próprio da mente humana, então como a mente pode
chegar à idéia de “nada”? Ou ainda, como a mente pode chegar a formular
funções matemáticas que não podem ser expressas em termos quantitativos
exatos, tais como a tendência ao infinito no cálculo integral, ou o
reino dos números irracionais e imaginários? Se a mente é meramente um
conjunto de moléculas, como se explica que chegue a tais noções, e de
modo especial à noção de nada? O nada é uma das mais espetaculares
invenções do poder metafísico da mente humana. Quando escrevemos essa
palavra, ela converte-se em algo, mas apesar disso continua a significar
“nada”. Se a mente humana reduz-se ao cérebro, fica impossível tratar
de coisas tão essenciais para a vida da mente como as abstrações (que
estão implícitas em todas as palavras) e os fatos da vida espiritual.
O que a Ciência tem a dizer sobre a Evolução biológica?
A Ciência pode declarar que houve um passado biológico de pelo menos 3 bilhões de anos
.
Pode estabelecer que há uma certa sucessão entre as várias espécies e
gêneros. Mas quando a Ciência emprega termos como “espécies”, “gêneros” e
“filos”, traz à baila os poderes metafísicos da mente. Ninguém pode ver
os diferentes reinos animais nem as espécies. Noções como essas, tão
essenciais para a Biologia evolutiva, são todas elas generalizações. A
Biologia evolutiva está repleta de conceitos metafísicos.
Mais ainda: a Ciência biológica não pode dizer nada a respeito da finalidade da Evolução.
Antes de mais nada, a Ciência não demonstrou empiricamente a origem de
uma espécie a partir de outra. Quando eu aceito a Evolução, coisa que
aliás faço partindo dos poderes metafísicos da minha mente, considero-a
como um reflexo maravilhoso desses mesmos poderes metafísicos. O método
científico de modo algum pode me dizer qual é o rumo ou o propósito da
Evolução. Além disso, o que sem dúvida alguma não me interessa para nada
é uma Evolução baseada em probabilidades, pois probabilidade é um outro
modo de dizer ignorância. A palavra probabilidade já deveria ter sido
há muito tempo eliminada do vocabulário filosófico e científico.
Por que os teoremas de Gödel (9) sobre a inconsistência são tão importantes?
Considerados em si mesmos,
tais teoremas afirmam apenas que a Matemática não pode ser considerada
como um conjunto de proposições verdadeiras a priori e, portanto,
necessárias. Isso no entanto acarreta uma importante
conseqüência para a Cosmologia científica, que é em parte empírica e em
parte teórica. Do ponto de vista teórico, a Cosmologia científica tem
muito de Matemática, e por isso nenhuma expressão da Cosmologia
científica pode ser tomada como sendo necessariamente certa, com base em
sua simplicidade matemática. Apesar disso, alguns cosmólogos modernos
(como Hawking, por exemplo) têm esperanças de encontrar alguma teoria
cosmológica que demonstre que o Universo tem que ser necessariamente o
que é e como é. Um Universo que existe necessariamente não necessita de
um Criador. Agora já deve ter ficado clara a importância dos
teoremas de Gödel, uma vez que tornam impossível sustentar o principal
princípio do paganismo clássico e moderno, a saber: que o Universo é o
Ser primordial. Além do mais, se o Universo – que é a
totalidade das coisas – não pode ser considerado como a coisa mais
primária ou essencial, então fica aberto o caminho para a busca
filosófica e teológica desse Princípio, que é o Criador do Universo. Ou
existimos necessariamente ou somos criados. A terceira alternativa, a de
que somos fruto do acaso, não merece nem ser considerada. O acaso é
sinônimo da nossa ignorância: foi o que muitos sábios já apontaram,
entre eles o Cardeal Newman (no ano passado – 1990 – celebramos o
centenário da sua morte). Newman estava muito próximo ao núcleo central
dessa nossa conversa quando escrevia: “Só existe um pensamento maior do que o próprio Universo, e esse pensamento é o do seu Criador”.
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Notas:
(1) James Clerk Maxwell (1831-1879): físico escocês, um dos mais
importantes do século XIX. Fez contribuições ao estudo dos gases, mas os
seus trabalhos mais importantes concentram-se no campo do
eletromagnetismo, em que desenvolveu as célebres equações para os campos
magnéticos e a sua teoria eletromagnética da luz.
(2) Ontologia é a disciplina filosófica que trata das questões
relacionadas ao ser das coisas. O autor quer dizer aqui que o método
científico é incapaz de responder questões morais (“Isso é bom ou mau?”)
e ontológicas (“O que é isto na sua mais profunda essência?”, “Por que
isto existe, se é que existe?”).
(3) Ontologia realista é toda a ontologia que afirma que o homem é capaz
de conhecer a essência das coisas, ou seja, a realidade que está por
trás dos seus aspectos sensíveis, dando-lhe ordem. Em contraposição a
ontologia realista, existe a ontologia imanentista, cujo maior expoente é
Kant. Segundo esse tipo de ontologia, o homem é incapaz de conhecer a
essência das coisas, de dizer com precisão o que determinada coisa é.
(4) O argumento cosmológico é uma das vias demonstradas por São Tomás de
Aquino para provar a existência de Deus através da razão. O argumento
postula que as coisas que existem são sempre efeitos de uma causa, como o
homem pode perceber através da contemplação do Universo. A procura das
causas últimas de cada efeito leva o homem necessariamente à descoberta
de uma Causa Primeira, que não é efeito de nada. Essa causa é Deus. Como
o entrevistado menciona acima, a impossibilidade de conhecer o Universo
conduziria a uma impossibilidade de conhecer Deus através da razão.
(5) Jacques Monod (1910-1976), bioquímico francês, recebeu o Prêmio
Nobel de Química por sua explicação do mecanismo de regulação genética
nas células. Argumenta na sua obra O acaso e a necessidade (1970) que o
ser humano seria um mero fruto do acaso, rejeitando assim qualquer noção
de um Deus Criador.
(6) Ilya Prigogine (1917): químico belga, nascido na ex-União Soviética,
recebeu o prêmio Nobel de Química em 1977 por seus trabalhos em
Termodinâmica.
(7) A entrevistadora refere-se à interpretação da mecânica quântica
formulada por Niels Bohr (1885-1962) e seus companheiros da Universidade
de Copenhague. Uma das bases dessa interpretação é a idéia de que a
observação de um experimento interfere nos seus resultados. A mecânica
quântica estuda o movimento dos átomos e das partículas subatômicas.
(8) Werner Karl Heisenberg (1901-1976): físico alemão, recebeu o prêmio
Nobel de Física em 1932 por suas contribuições à mecânica quântica. O
seu Princípio da Incerteza postula que não se pode medir simultaneamente
e com exatidão a posição e a velocidade de um átomo ou de uma partícula
subatômica.
(9) Kurt Gödel (1906-1978), matemático austríaco naturalizado
norte-americano, célebre por ter provado que é impossível realizar a
completa axiomatização da matemática proposta por David Hilbert. Os
Teoremas da Indecidibilidade (também conhecidos como Teoremas da
Incompletude), provam que em todo sistema formal suficientemente grande
(a aritimética, por exemplo) sempre existirá uma proposição bem formada
para qual será impossível atribuir tanto o valor de verdadeiro quanto o
valor de falso. (N. do E.).
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Fonte: Quadrante