Autoria: João Emiliano Martins Neto
Nos últimos dias eu voltei a ler alguma coisa sobre o filósofo dinamarquês Soren Aabye Kierkegaard, pois que, de fato, é algo que impressiona-me a questão de uma concepção de cristianismo como a de matriz protestante que é uma ideia de religião que como via de justificar o homem pelo menos parte, tem como raiz e um Papa São Pio X concordava com isso, de uma pura confiança em alguém como Deus em Jesus Cristo que não passa ou que ultrapassa a humana consideração racional de que algo o homem precise se perfecionar ou barganhar com o divino como a de querer justiça neste mundo, vide o próprio Jesus Cristo que mandou que oferecêssemos a outra face quando levássemos uma bofetada em uma delas (São Lucas 6, 29a). Kierkegaard trouxe-nos o entendimento da retratação da razão, a razão curvando-se ante o que para ela é o absurdo da fé, a razão sempre tão dominadora do mundo que devastou as florestas, construiu cidades poluídas, arranha-céus, máquinas, computadores, redes sociais online que mais isolam do que congregam as pessoas e armas de destruição em massa.
Contudo, ao mesmo tempo, com todo o respeito pelo gênio de Kierkegaard de alguma coisa como a verdade, porque é verdade alguma coisa que seja verdade para si mesmo ou para cada um tomado pessoalmente, individualmente e existencialmente, mas, eu considero que tal entendimento que passa muito pelos sentimentos, tal coisa seria o suicídio do entendimento.
Se Kierkegaard revoltou-se contra as grandes abstrações e teorias e contra uma atitude teorizante que parece, interpreto eu assim, tornar o homem como uma mera peça de uma grande engrenagem, ou como um mero coadjuvante de um processo histórico, entretanto, ao mesmo tempo a verdade é alguma coisa que não espera a nossa consciência de que ela existe, pois está aí ou virá como o desenvolvimento ou presença de uma essência de algo existente no mundo. O existencialismo ateu de um Jean-Paul Sartre chega ao ponto de não reconhecer uma essência, coloca tudo na conta de uma ideia de existência que molda o homem, o homem podendo ser o que quiser ser em algo que torna a liberdade em um peso já que não há um Deus que predetermine tudo, eis a miséria do ateísmo.
Eu respeito a ideia de fé de Kierkegaard que dá-se no terceiro estádio de desenvolvimento humano que é o estádio religioso, onde ocorre o salto da fé que é um salto no escuro, apesar de que o bem-aventurado, santo e glorioso apóstolo São Tiago dizer que a fé sem obras é morta (São Tiago 2, 17), mas a fé ainda é um polo oposto à razão, é um polo complementar como uma outra asa, ponderaria um Papa São João Paulo II, todavia, oposto. O que eu respeito na ideia de fé do filósofo dinamarquês é que a relação do homem com Jesus Cristo, com o cristianismo tem por raiz uma aposta em algo que vai além da humana razão como raiz da justiça e salvação do homem, pois que parece loucura à razão Jesus, o absolutamente inocente, sofrendo à punição de morte que caberia a cada um de nós, homens culpados. Não deixaria de ser uma religião fiduciária o cristianismo pelo menos no que se refere ao primeiro passo de ingresso em tal religião.
Para além de um moralismo e de um legalismo formalista religioso que tem por origem o estádio ainda atrasado, segundo Soren Kierkegaard, que é o estádio ético de uma conformação com as expectativas da sociedade, uma massa humana amorfa e indistinta que tomada individualmente se for sincera não cumpre com todas as regrinhas, na opinião do pai do existencialismo, há a fé na concepção kierkegaardiana ou luterana do estádio religioso que toca pessoalmente, existencialmente o homem onde a sabedoria, Jesus Cristo, viria em busca do homem como em uma poesia, em um cântico, tal qual o bom samaritano que desprezado pelo sacerdote e pelo levita homens do estádio ético, também desprezavam o seu próximo caído no meio do caminho e que foi socorrido pelo samaritano.
A razão, o entendimento, o esclarecimento até mesmo para retratar-se precisa convir racionalmente que deve inclinar-se, sobretudo ante a autoridade de ninguém menos que do próprio Jesus Cristo que ordena a loucura para a razão de que devemos bendizer aqueles que nos amaldiçoam (São Lucas 6, 28). Soren Kierkegaard que me perdoe, todavia, ainda que a razão deva ceder a algo que até mesmo esteja abaixo de si, por exemplo, quando estamos diante de uma desgraçada pessoa com alguma enfermidade mental, mas sempre a razão o fará sem descartar a sua luz, querer negar isso é suicídio, é autoengano, e é expulsar a verdade pela porta, mas ela sempre retornará pela janela.
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