Por Janer Cristaldo
Falei há pouco da produtiva fábrica de doenças mantida pelos Estados Unidos para a prosperidade de seus laboratórios. Falei também da tal de TPM, a famigerada tensão pré-menstrual, da qual todos já ouvimos falar. Mas se o leitor tem minha idade – isto é, uns sessenta ou mais anos – deve ter observado que sua mãe jamais teve TPM, muito menos suas tias ou avós. Nos dias de meus ancestrais, as mulheres sofriam de cólicas. Agora, padecem de TPM.
Outra doença contemporânea, que não existia em meus dias de juventude, é o tal de transtorno de déficit de atenção com hiperatividade, mais conhecida como TDAH. Comentei o assunto há três anos. Busquei na rede os sintomas relacionados à hiperatividade.
• ficar remexendo as mãos e/ou os pés quando sentado;
• não permanecer sentado por muito tempo;
• pular, correr excessivamente em situações inadequadas;
• sensação interna de inquietude;
• ser barulhento em atividades lúdicas;
• ser muito agitado;
• falar em demasia e sem pensar no que vai dizer;
• responder às perguntas antes de concluídas;
• ter dificuldade de esperar sua vez;
• intrometer-se em conversas ou jogos dos outros.
Ou seja, uns bons 90% ou mais das crianças padecem de TDAH. Ser irrequieto já é sintoma da doença. Ora, qual criança não é irrequieta? Já almocei em restaurantes repletos de crianças com TDAH. Para se diagnosticar um caso de TDAH – dizem os médicos - é necessário que a pessoa em questão apresente pelo menos seis dos sintomas de desatenção e/ou seis dos sintomas de hiperatividade; além disso os sintomas devem manifestar-se em pelo menos dois ambientes diferentes e por um período superior a seis meses. Qual criança não manifesta seis desses sintomas?
Mais ainda: segundo estes senhores, as crianças portadoras do transtorno, aplicam menor quantidade de esforços e despendem menor quantidade de tempo para realizar tarefas desagrádaveis e enfadonhas. O que é virtude, habilidade, passa a ser doença.
Para que serve o TDAH? Para os laboratórios venderem uma substância chamada metilfenidato. Ora, nos Estados Unidos, pelo menos 9% das crianças em idade escolar foram diagnosticadas com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), e estão sendo tratadas com medicamentos. Na França, a percentagem de crianças diagnosticadas e medicadas para o TDAH é inferior a 0,5%.
Em artigo publicado na revista Psychology Today, a Dra. Marilyn Wedge, faz uma pergunta pertinente: como é que a epidemia de TDAH, que tornou-se firmemente estabelecida nos Estados Unidos, foi quase completamente desconsiderada com relação a crianças na França?
No fundo, é porque na França não existe o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, sigla em inglês para Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders). Marilyn Wedge é terapeuta familiar e autora de dois livros, In the Therapist's Mirror: Reality in the Making, e Suffer the Children: The Case against Labeling and Medicating and an Effective Alternative (que deve ser reeditado com novo título: Pills are not for Preschoolers.
TDAH é um transtorno biológico-neurológico? – pergunta-se Wedge -. Surpreendentemente, a resposta a esta pergunta depende do fato de você morar na França ou nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, os psiquiatras pediátricos consideram o TDAH como um distúrbio biológico, com causas biológicas. O tratamento de escolha também é biológico – medicamentos estimulantes psíquicos, tais como Ritalina e Adderall.
Já os psiquiatras infantis franceses, por outro lado, vêem o TDAH como uma condição médica que tem causas psico-sociais e situacionais. Em vez de tratar os problemas de concentração e de comportamento com drogas, os médicos franceses preferem avaliar o problema subjacente que está causando o sofrimento da criança; não o cérebro da criança, mas o contexto social da criança. Eles, então, optam por tratar o problema do contexto social subjacente com psicoterapia ou aconselhamento familiar. Esta é uma maneira muito diferente de ver as coisas, comparada à tendência americana de atribuir todos os sintomas de uma disfunção biológica a um desequilíbrio químico no cérebro da criança.
Segundo a autora, os psiquiatras infantis franceses não usam o DSM, mas a CFTMEA (Classification Française des Troubles Mentaux de L’Enfant et de L’Adolescent), lançado pela primeira vez em 1983, e atualizado em 1988 e 2000. O foco do CFTMEA está em identificar e tratar as causas psicossociais subjacentes aos sintomas das crianças, e não em encontrar os melhores bandaids farmacológicos para mascarar os sintomas.
Quando comentei o embuste dos laboratórios ianques, recebi esclarecedora mensagem do dr. Sergio Rachman, médico psiquiatra:
Prezado Janer,
Sou leitor assíduo do seu blog e gostaria de parabenizá-lo pelas críticas lúcidas que faz a certas mazelas da nossa sociedade. Como médico psiquiatra, sinto-me à vontade para fazer algumas considerações em relação ao seu último comentário sobre o TDAH e o DSM-V.
A indústria farmacêutica é uma das que mais lucram, e certamente parcela considerável dos dividendos provém de um mercado criado a partir de doenças que não existem. Talvez o caso mais emblemático seja o do Transtorno Afetivo Bipolar (antiga Psicose Maníaco Depressiva). Na década de 1990, com o objetivo de vender drogas conhecidas como "estabilizadoras de humor", o nome da doença foi mudado para contornar o estigma associado à denominação anterior e os critérios diagnósticos foram ampliados de forma que qualquer pessoa com propensão a ter oscilações de humor fosse considerada bipolar. Passaram a ser incluídos nessa categoria virtualmente todos o s artistas e pessoas pessimistas com relação aos rumos da sociedade. Quem não acha que o mundo é cor de rosa é porque deve ser doente mental, não é mesmo?
Cheguei a fazer um curso sobre o problema em um importante hospital de nossa metrópole, em que a palestrante apontava para a necessidade do diagnóstico precoce, dizendo que o mesmo deveria ser realizado idealmente ainda na infância. Como sintomas dos "bipolarzinhos", estariam crises de birra. Nos adultos, irritação no trânsito seria um traço característico. O meu consolo é que, assim como eu, tive vários colegas que saíram chocados dessa exposição.
Enfim, vigarice não é exclusividade dos Edir Macedos ou dos Silas Malafaias da vida. Tem muita gente que se diz "cientista" e que cobra consultas acima de mil reais que diz coisas absurdas com o mero intento de ganhar dinheiro numa associação espúria com o laboratório. O problema aqui é mais grave que na Igreja Universal porque, pela capa de cientificidade, é mais fácil enganar a população dita esclarecida e mais difícil expor a essência do embuste.
O DSM-V deverá sair em breve e não tenho dúvida de que abominações outras, além da SAP, deverão lá estar, com diagnósticos de doença mental sendo aplicados indiscriminadamente por uma legião de colegas acríticos ou mal intencionados.
Abraço,
Sergio Rachman
Dito e feito, meu caro Rachman. A nova doença agora é o luto. Todos os homens são mortais. Logo, somos todos doentes. Enquanto a medicina francesa mantém sua independência em relação à vigarice ianque, cá no Brasil os médicos apressam-se a macaquear a nomenclatura safada.
Falei há pouco da produtiva fábrica de doenças mantida pelos Estados Unidos para a prosperidade de seus laboratórios. Falei também da tal de TPM, a famigerada tensão pré-menstrual, da qual todos já ouvimos falar. Mas se o leitor tem minha idade – isto é, uns sessenta ou mais anos – deve ter observado que sua mãe jamais teve TPM, muito menos suas tias ou avós. Nos dias de meus ancestrais, as mulheres sofriam de cólicas. Agora, padecem de TPM.
Outra doença contemporânea, que não existia em meus dias de juventude, é o tal de transtorno de déficit de atenção com hiperatividade, mais conhecida como TDAH. Comentei o assunto há três anos. Busquei na rede os sintomas relacionados à hiperatividade.
• ficar remexendo as mãos e/ou os pés quando sentado;
• não permanecer sentado por muito tempo;
• pular, correr excessivamente em situações inadequadas;
• sensação interna de inquietude;
• ser barulhento em atividades lúdicas;
• ser muito agitado;
• falar em demasia e sem pensar no que vai dizer;
• responder às perguntas antes de concluídas;
• ter dificuldade de esperar sua vez;
• intrometer-se em conversas ou jogos dos outros.
Ou seja, uns bons 90% ou mais das crianças padecem de TDAH. Ser irrequieto já é sintoma da doença. Ora, qual criança não é irrequieta? Já almocei em restaurantes repletos de crianças com TDAH. Para se diagnosticar um caso de TDAH – dizem os médicos - é necessário que a pessoa em questão apresente pelo menos seis dos sintomas de desatenção e/ou seis dos sintomas de hiperatividade; além disso os sintomas devem manifestar-se em pelo menos dois ambientes diferentes e por um período superior a seis meses. Qual criança não manifesta seis desses sintomas?
Mais ainda: segundo estes senhores, as crianças portadoras do transtorno, aplicam menor quantidade de esforços e despendem menor quantidade de tempo para realizar tarefas desagrádaveis e enfadonhas. O que é virtude, habilidade, passa a ser doença.
Para que serve o TDAH? Para os laboratórios venderem uma substância chamada metilfenidato. Ora, nos Estados Unidos, pelo menos 9% das crianças em idade escolar foram diagnosticadas com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), e estão sendo tratadas com medicamentos. Na França, a percentagem de crianças diagnosticadas e medicadas para o TDAH é inferior a 0,5%.
Em artigo publicado na revista Psychology Today, a Dra. Marilyn Wedge, faz uma pergunta pertinente: como é que a epidemia de TDAH, que tornou-se firmemente estabelecida nos Estados Unidos, foi quase completamente desconsiderada com relação a crianças na França?
No fundo, é porque na França não existe o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, sigla em inglês para Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders). Marilyn Wedge é terapeuta familiar e autora de dois livros, In the Therapist's Mirror: Reality in the Making, e Suffer the Children: The Case against Labeling and Medicating and an Effective Alternative (que deve ser reeditado com novo título: Pills are not for Preschoolers.
TDAH é um transtorno biológico-neurológico? – pergunta-se Wedge -. Surpreendentemente, a resposta a esta pergunta depende do fato de você morar na França ou nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, os psiquiatras pediátricos consideram o TDAH como um distúrbio biológico, com causas biológicas. O tratamento de escolha também é biológico – medicamentos estimulantes psíquicos, tais como Ritalina e Adderall.
Já os psiquiatras infantis franceses, por outro lado, vêem o TDAH como uma condição médica que tem causas psico-sociais e situacionais. Em vez de tratar os problemas de concentração e de comportamento com drogas, os médicos franceses preferem avaliar o problema subjacente que está causando o sofrimento da criança; não o cérebro da criança, mas o contexto social da criança. Eles, então, optam por tratar o problema do contexto social subjacente com psicoterapia ou aconselhamento familiar. Esta é uma maneira muito diferente de ver as coisas, comparada à tendência americana de atribuir todos os sintomas de uma disfunção biológica a um desequilíbrio químico no cérebro da criança.
Segundo a autora, os psiquiatras infantis franceses não usam o DSM, mas a CFTMEA (Classification Française des Troubles Mentaux de L’Enfant et de L’Adolescent), lançado pela primeira vez em 1983, e atualizado em 1988 e 2000. O foco do CFTMEA está em identificar e tratar as causas psicossociais subjacentes aos sintomas das crianças, e não em encontrar os melhores bandaids farmacológicos para mascarar os sintomas.
Quando comentei o embuste dos laboratórios ianques, recebi esclarecedora mensagem do dr. Sergio Rachman, médico psiquiatra:
Prezado Janer,
Sou leitor assíduo do seu blog e gostaria de parabenizá-lo pelas críticas lúcidas que faz a certas mazelas da nossa sociedade. Como médico psiquiatra, sinto-me à vontade para fazer algumas considerações em relação ao seu último comentário sobre o TDAH e o DSM-V.
A indústria farmacêutica é uma das que mais lucram, e certamente parcela considerável dos dividendos provém de um mercado criado a partir de doenças que não existem. Talvez o caso mais emblemático seja o do Transtorno Afetivo Bipolar (antiga Psicose Maníaco Depressiva). Na década de 1990, com o objetivo de vender drogas conhecidas como "estabilizadoras de humor", o nome da doença foi mudado para contornar o estigma associado à denominação anterior e os critérios diagnósticos foram ampliados de forma que qualquer pessoa com propensão a ter oscilações de humor fosse considerada bipolar. Passaram a ser incluídos nessa categoria virtualmente todos o s artistas e pessoas pessimistas com relação aos rumos da sociedade. Quem não acha que o mundo é cor de rosa é porque deve ser doente mental, não é mesmo?
Cheguei a fazer um curso sobre o problema em um importante hospital de nossa metrópole, em que a palestrante apontava para a necessidade do diagnóstico precoce, dizendo que o mesmo deveria ser realizado idealmente ainda na infância. Como sintomas dos "bipolarzinhos", estariam crises de birra. Nos adultos, irritação no trânsito seria um traço característico. O meu consolo é que, assim como eu, tive vários colegas que saíram chocados dessa exposição.
Enfim, vigarice não é exclusividade dos Edir Macedos ou dos Silas Malafaias da vida. Tem muita gente que se diz "cientista" e que cobra consultas acima de mil reais que diz coisas absurdas com o mero intento de ganhar dinheiro numa associação espúria com o laboratório. O problema aqui é mais grave que na Igreja Universal porque, pela capa de cientificidade, é mais fácil enganar a população dita esclarecida e mais difícil expor a essência do embuste.
O DSM-V deverá sair em breve e não tenho dúvida de que abominações outras, além da SAP, deverão lá estar, com diagnósticos de doença mental sendo aplicados indiscriminadamente por uma legião de colegas acríticos ou mal intencionados.
Abraço,
Sergio Rachman
Dito e feito, meu caro Rachman. A nova doença agora é o luto. Todos os homens são mortais. Logo, somos todos doentes. Enquanto a medicina francesa mantém sua independência em relação à vigarice ianque, cá no Brasil os médicos apressam-se a macaquear a nomenclatura safada.