A revolução da empregada *
Guilherme Fiúza
O conto de fadas do oprimido continua. Agora, as empregadas domésticas foram libertadas da escravidão. Mas esse capítulo ainda promete fortes emoções. Uma legião de advogados espertos já está de prontidão para o primeiro bote trabalhista num desses “senhores feudais” de Ipanema ou Leblon. Aí a burguesia vai ver o que é bom. Patrões perderão as calças para cozinheiras demitidas sem justa causa. E o Brasil progressista irá ao delírio. Babás levarão uma baba ao provar — com seus advogados — que naquela sexta-feira chuvosa estouraram o período da jornada sem ganhar hora extra. Com a PEC das domésticas, cada lar brasileiro assistirá à revanche do povo contra as elites.
A apoteose cívica em torno da empregada lembra o clima da Constituinte em 1987. A Carta promulgada por Ulisses Guimarães com “ódio e nojo à ditadura” removia o entulho autoritário, e trazia o entulho progressista. Até limite de taxa de juros enfiaram na Constituição — entre outras bondades autoritárias e/ou lunáticas. A partir dali, deu-se no Brasil o milagre da multiplicação de municípios, com a interminável criação de prefeituras e câmaras de vereadores sangrando os cofres públicos. Tudo em nome da descentralização democrática.
Agora o país comemora a Lei Áurea das domésticas, com ódio e nojo aos patrões. Eles tiveram sorte, porque não apareceu nenhum revolucionário propondo guilhotina em caso de atraso do 13º. Os escravocratas do século 21 — como os patrões foram chamados pelos libertadores das empregadas — garantiram nos últimos anos à classe das domésticas aumentos salariais bem acima da inflação (e de todas as outras categorias). Mas não interessa. Os progressistas querem direitos civis, querem que os patrões paguem encargos. A consequência será simples: para pagar os encargos, os patrões não darão mais reajustes acima da inflação. Através do FGTS, por exemplo, o dinheiro se desviará das mãos da empregada para as mãos do governo — onde será corrigido abaixo da inflação, a julgar pelas médias recentes.
O fim da escravidão aboliu o bom senso, e conseguirá trazer perdas para patrões e empregados, democraticamente. Mas os populistas serão felizes para sempre.
Já se pode antever a excitação no Primeiro de Maio, com a “presidenta” mulher e faxineira indo às lágrimas em cadeia obrigatória de rádio e TV. Mais uma pantomima social que a nação engolirá sorridente e orgulhosa. Na vida real, evidentemente, a nova Lei Áurea vai dar um tranco no mercado, com patrões temerosos de contratar mensalistas — não só pelos custos inflados, como pelos altos riscos de indenizações pesadas (as casuais e as tramadas). Muitos recorrerão a diaristas e outros improvisos para fazer frente aos serviços da casa. E o enorme contingente das empregadas domésticas que só sabem ser empregadas domésticas, diante da crescente dificuldade de se fixar no emprego “seguro” que a Constituição progressista lhe trouxe, terá que perguntar a Dilma e aos humanistas como ganhar a vida.
O governo popular não está preocupado com isso. Se o contingente das alforriadas sem-teto crescer muito rápido, isso se resolve com uma injeçãozinha a mais no Bolsa Família (o Bolsa Casa de Família). País rico é país que dá dinheiro de graça. Enquanto a Europa acorda dolorosamente desse sonho dourado, com saudades de Margaret Thatcher, o Brasil fabrica um pleno emprego pendurando parte da população numa mesada estatal. São os filhos profissionais do Brasil, que não precisam se emancipar nem procurar trabalho. É claro que isso vai explodir um dia, mas a próxima eleição (pelo menos) está garantida.
A festa da propaganda populista não tem hora para acabar. O Ministério da Educação, por exemplo, está bancando uma grande campanha nas principais mídias nacionais sobre o sistema de cotas para negros no ensino público. A peça traz a encenação de um jovem humilde, que conta ter conseguido vaga na universidade por ser afro-descendente. É o governo popular torrando o dinheiro do contribuinte para apregoar a sua própria bondade. Só um país apoplético pode consumir numa boa essa propaganda política travestida de utilidade pública.
É esse país que baba de orgulho diante da PEC das domésticas, jurando que está assistindo a uma revolução trabalhista. É típico das sociedades culturalmente débeis acharem que legislar sobre tudo é passaporte civilizatório. É um país que não acredita nos seus acordos, no que é instituído a partir da responsabilidade individual, do bom senso e dos bons costumes. É preciso cutucar Getúlio Vargas no túmulo, para empreender uma formidável marcha à ré progressista — que servirá para entulhar de vez a Justiça, porque as crianças só confiam no que está nos livros guardados por mamãe Dilma. Pobres órfãos.
Se o prezado leitor escravocrata enjoou da comida de sua empregada, melhor consultar seu advogado. O socialismo chegou à cozinha — e o tempero agora é assunto de Estado.
* O Globo – 13/04/2013
Publicado também no Blog de Janer Cristaldo
Guilherme Fiúza
O conto de fadas do oprimido continua. Agora, as empregadas domésticas foram libertadas da escravidão. Mas esse capítulo ainda promete fortes emoções. Uma legião de advogados espertos já está de prontidão para o primeiro bote trabalhista num desses “senhores feudais” de Ipanema ou Leblon. Aí a burguesia vai ver o que é bom. Patrões perderão as calças para cozinheiras demitidas sem justa causa. E o Brasil progressista irá ao delírio. Babás levarão uma baba ao provar — com seus advogados — que naquela sexta-feira chuvosa estouraram o período da jornada sem ganhar hora extra. Com a PEC das domésticas, cada lar brasileiro assistirá à revanche do povo contra as elites.
A apoteose cívica em torno da empregada lembra o clima da Constituinte em 1987. A Carta promulgada por Ulisses Guimarães com “ódio e nojo à ditadura” removia o entulho autoritário, e trazia o entulho progressista. Até limite de taxa de juros enfiaram na Constituição — entre outras bondades autoritárias e/ou lunáticas. A partir dali, deu-se no Brasil o milagre da multiplicação de municípios, com a interminável criação de prefeituras e câmaras de vereadores sangrando os cofres públicos. Tudo em nome da descentralização democrática.
Agora o país comemora a Lei Áurea das domésticas, com ódio e nojo aos patrões. Eles tiveram sorte, porque não apareceu nenhum revolucionário propondo guilhotina em caso de atraso do 13º. Os escravocratas do século 21 — como os patrões foram chamados pelos libertadores das empregadas — garantiram nos últimos anos à classe das domésticas aumentos salariais bem acima da inflação (e de todas as outras categorias). Mas não interessa. Os progressistas querem direitos civis, querem que os patrões paguem encargos. A consequência será simples: para pagar os encargos, os patrões não darão mais reajustes acima da inflação. Através do FGTS, por exemplo, o dinheiro se desviará das mãos da empregada para as mãos do governo — onde será corrigido abaixo da inflação, a julgar pelas médias recentes.
O fim da escravidão aboliu o bom senso, e conseguirá trazer perdas para patrões e empregados, democraticamente. Mas os populistas serão felizes para sempre.
Já se pode antever a excitação no Primeiro de Maio, com a “presidenta” mulher e faxineira indo às lágrimas em cadeia obrigatória de rádio e TV. Mais uma pantomima social que a nação engolirá sorridente e orgulhosa. Na vida real, evidentemente, a nova Lei Áurea vai dar um tranco no mercado, com patrões temerosos de contratar mensalistas — não só pelos custos inflados, como pelos altos riscos de indenizações pesadas (as casuais e as tramadas). Muitos recorrerão a diaristas e outros improvisos para fazer frente aos serviços da casa. E o enorme contingente das empregadas domésticas que só sabem ser empregadas domésticas, diante da crescente dificuldade de se fixar no emprego “seguro” que a Constituição progressista lhe trouxe, terá que perguntar a Dilma e aos humanistas como ganhar a vida.
O governo popular não está preocupado com isso. Se o contingente das alforriadas sem-teto crescer muito rápido, isso se resolve com uma injeçãozinha a mais no Bolsa Família (o Bolsa Casa de Família). País rico é país que dá dinheiro de graça. Enquanto a Europa acorda dolorosamente desse sonho dourado, com saudades de Margaret Thatcher, o Brasil fabrica um pleno emprego pendurando parte da população numa mesada estatal. São os filhos profissionais do Brasil, que não precisam se emancipar nem procurar trabalho. É claro que isso vai explodir um dia, mas a próxima eleição (pelo menos) está garantida.
A festa da propaganda populista não tem hora para acabar. O Ministério da Educação, por exemplo, está bancando uma grande campanha nas principais mídias nacionais sobre o sistema de cotas para negros no ensino público. A peça traz a encenação de um jovem humilde, que conta ter conseguido vaga na universidade por ser afro-descendente. É o governo popular torrando o dinheiro do contribuinte para apregoar a sua própria bondade. Só um país apoplético pode consumir numa boa essa propaganda política travestida de utilidade pública.
É esse país que baba de orgulho diante da PEC das domésticas, jurando que está assistindo a uma revolução trabalhista. É típico das sociedades culturalmente débeis acharem que legislar sobre tudo é passaporte civilizatório. É um país que não acredita nos seus acordos, no que é instituído a partir da responsabilidade individual, do bom senso e dos bons costumes. É preciso cutucar Getúlio Vargas no túmulo, para empreender uma formidável marcha à ré progressista — que servirá para entulhar de vez a Justiça, porque as crianças só confiam no que está nos livros guardados por mamãe Dilma. Pobres órfãos.
Se o prezado leitor escravocrata enjoou da comida de sua empregada, melhor consultar seu advogado. O socialismo chegou à cozinha — e o tempero agora é assunto de Estado.
* O Globo – 13/04/2013
Publicado também no Blog de Janer Cristaldo