Frequentemente os protestantes se confundem ao exporem a doutrina
católica da graça. Chamam-na de pelagiana, de semipelagiana, meio sem
muito critério, sem muito sal. É velha tal acusação, que data de João
Calvino. Focaremos, nessa postagem, a acusação de semipelagianismo, doutrina condenada infalivelmente.
Para entendermos as várias posições da graça, utilizaremos um gráfico
feito por Garrigou-Lagrange, em sua obra "Comentários ao Tratado da
Graça" :
Não pode a graça ser "eficiente por si mesma" e "não eficiente por si mesma", pois tal violaria o princípio lógico tertium not datur.
As posições teológicas, heréticas ou não, situam-se entre esses dois
extremos, em maior ou menor intensidade. Sustenta esta posição, de modo
geral:
1Jo 5:3 Eis o amor de Deus: que guardemos seus mandamentos. E seus mandamentos não são penosos,
Mat 11:30 Porque meu jugo é suave e meu peso é leve.
E aquela:
1Co 4:7 O que há de superior em ti? Que é que possuis que não tenhas
recebido? E, se o recebeste, por que te glorias, como se o não tivesses
recebido?
Semipelagianismo é, segundo, o gráfico apresentado, uma posição que
considera a graça não eficiente por si mesma. "Semipelagianos ensinavam
que predestinação, para a graça ou para a glória, não era gratuita, e
que Deus acompanhava todos os homens, os réprobos como os predestinados,
em igual amor, e oferecia graça e glória a todos igualmente; daí, de
acordo com os semipelagianianos, obtém a graça quem consente a ela por
si mesmo, não recebendo nenhuma ajuda maior, e recebe glória, quem, por
si mesmo, perservera na graça recebida." [1]
O molinismo, que não é uma heresia, mas um erro teológico (bastante fora
de moda entre os católicos), não se confunde com o semipelagianismo.
Difere-se principalmente por tomar a perseverança como dom gratuito de
Deus (mantendo o aspecto da posição agostiniana da gratuidade da
predestinação). [2]
Augustus Nicodemus comete o erro de tomar o catolicismo romano como semipelagiano muito provavelmente por tomar o molinismo como a doutrina "oficial" da Igreja.
Ao criticar Teologia da Libertação, erra: "No caso de Boff, em particular, o pelagianismo era
inevitável, não só por causa do seu background católico romano, mas
principalmente por causa da integração do seu pensamento com muito da
erudição européia moderna, cuja cosmovisão é distintamente pelagiana." [3]
Também comete o mesmo erro em suas aulas. [4]
Nada mais errôneo. A Igreja Católica, que é a Igreja de Cristo, já se
pronunciou sobre o assunto, condenando o semipelagianismo como heresia.
Tal é o cânone do Concílio de Orange:
"Cânone 4. Se alguém porfia que Deus espera nossa vontade para
limparmos do pecado, e não confessa que ainda que o querer ser limpo se faz em
nós por infusão e operação sobre nós do Espírito Santo, resiste ao mesmo
Espírito Santo que por Salomão disse: é preparada a vontade pelo Senhor
(Provérbios 9, 35: LXX), e, ao Apóstolo que saudavelmente predica: Deus é aquele
que obra em nós o querer e o acabar, segundo o seu beneplácito (Filipenses 2,
13)." [5]
Não entendo por que a insistência de Augustus Nicodemus em propagar
tamanha calúnia. Talvez nunca tenha estudado a teologia católica mais a
fundo. Augustus Nicodemus é exemplo daquilo que Chesterton acertadamente
diz, em sua obra Hereges: " O reformador está sempre certo sobre o que
está errado. Ele, geralmente, está errado sobre o que está certo."
Há outros erros de Augustus
Nicodemus, que são os mesmos entre os reformados, que abordaremos no
futuro. Exporemos segundo o molde tomista, recomendado pelo Magistério
ordinário, que toma a graça como eficiente por si mesma, tal como o calvinismo, mas sem heresias.
[1] GARRIGOU-LAGRANGE. Grace:
Commentary on the Summa Theologica of St. Thomas. cap. 1
[2] Idem.
[3] LOPES, Augustus Nicodemus. A Hermenêutica da Teologia da Libertação: Uma Análise de Jesus Cristo Libertador, de Leonardo Boff, Fides Reformata 3/2 (1998)
[4] http://www.youtube.com/watch?v=RSRJV7g-aM4, por volta dos cinco minutos.
[5] DS 177
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