Por Geremias do Couto
Não tenho
por hábito escrever comentários sobre as lições bíblicas estudadas em
nossa Escola Dominical. Mas sem desprezar a relevância das demais,
considero a lição do próximo domingo, da revista editada pela CPAD,
bastante pertinente para o momento em que estamos vivendo. Como terei a
responsabilidade de ministrá-la em nossa igreja, achei por bem
compartilhar os pontos que pretendo tratar, se Deus quiser, durante a
aula. Considero o profeta um modelo sobre como nos portarmos em meio a
um ambiente religioso que em nada difere do que Elias enfrentou. Aliás,
não exagero ao reduzir o tema ao meio cristão no qual vivemos, onde o
sincretismo tomou conta em detrimento da glória de Deus. Nesse contexto,
o legado de Elias é um exemplo para todos nós.
1. O legado da sua origem
Elias aparece
na história sem qualquer vínculo com o sistema em vigor, seja pelo lado
sacerdotal, seja pelo lado monárquico, seja pelo lado profético. O que
se registra da sua origem está em 1 Reis 17.1: "Então Elias, o tisbita,
dos moradores de Gileade...". Nada mais é dito. Creio que Deus queria
alguém que não tivesse qualquer tipo de comprometimento, que não fosse
presa fácil das conveniências e pudesse ser a sua própria boca para
confrontar os pecados de Israel. Alguém que tivesse consciência de sua
posição como mero instrumento e não instrumentista. Não é que não
houvesse profetas entre o povo. Havia. Mas o medo, certamente, os
silenciava. Até o responsável pela administração do palácio, Obadias,
temia ao Senhor a ponto de esconder 100 profetas das mãos sanguinárias
de Acabe. Ele próprio, todavia, não levantava a sua voz contra os
desatinos reais por medo de sofrer represálias. Isto se infere de seu
encontro com o profeta, 1 Reis 18.7-14. Nesse cenário surge Elias. Só
ele pode dar conta da missão. Quando a fé se corrompe a ponto de sufocar
os verdadeiros crentes, não são os "profetas estadistas" que o Senhor
usará, mas um "tisbita", "um morador de Gileade", alguém que não tenha o
seu nome ligado aos horrores que o sistema religioso representa.
2. O legado de sua humanidade
Outro aspecto
fundamental da vida do profeta - e de tantos outros homens de Deus
registrados na história bíblica - é a sua humanidade. Diferente dos que
hoje se promovem como "pequenos deuses", e que se assomam como
portadores de privilégios maiores no panteão das "divindades humanas",
Elias experimenta os mesmos conflitos que experimentamos, sente as
mesmas dores que sentimos, passa pelas mesmas angústias que passamos,
tem fome da mesma forma que temos, cansa da mesma forma que cansamos e
enfrenta as mesmas paixões que enfrentamos. O episódio que mais
escancara a sua humanidade é a depressão que enfrenta - já estudada em
lição anterior - quando, extenuado após a batalha do Carmelo, foge de
Jezabel. O que me empolga é o fato de a Escritura registrar este lado - o
da humanidade do profeta - tão esquecido pelos heróis cristãos de hoje.
"Elias era homem sujeito às mesmas paixões que nós...", Tiago 5.17.
Quanto mais nos aproximamos de Deus, mais humanos nos tornamos.
3. O legado de sua vida pessoal
Não consta,
na Bíblia, que Elias tenha constituído família. É de se pressupor que
não, dada a vida quase monástica que levava. A missão que Deus lhe
confia impõe desprendimento total. Descobrimos, em seus passos, que ele
não tinha apego às coisas materiais e soube viver com a provisão de cada
dia, mesmo aquela trazida pelos corvos. Não se vê o profeta em
campanhas da semeadura, comercializando "amuletos milagrosos" entre o
povo, nem confrontando em seu próprio nome o paganismo mesclado com o
judaísmo. Ele sempre age como enviado do Senhor dos Exércitos. Elias não
faz questão de comer da mesa do palácio. Creio que, por isso, João
Batista tenha sido comparado ao profeta por Jesus. A vida pessoal de
Elias é um legado para os que exercemos o ofício sacerdotal nos dias de
hoje. Queremos as luzes da ribalta ou o vitupério de sofrer por amor a
Cristo? Estamos desapegados às coisas da terra ou usamos o biombo do
nosso sacerdócio como instrumento em busca da opulência? Desapego é o
que se espera daqueles que são chamados para ministrar diante de Deus.
4. O legado de sua sucessão
O período no Horebe,
escondido em uma caverna, não é o fim do ministério de Elias. É o
recomeço. Em situações como a que ele enfrentou, temos de ter, também, o
nosso Horebe em que as nossas forças são revigoradas para continuar a
caminhada. É uma parada para reabastecimento. Quantos corremos de um
lado para o outro, cumprimos extensa agenda, pregamos de quarta-feira a
domingo e não paramos por nos considerarmos acima da média. Passamos a
repetir de forma mecânica as nossas mensagens, o púlpito já não nos
alegra, mas se torna um fardo, por sentirmo-nos completamente vazios.
Isto se chama esgotamento espiritual. Não podemos perder de vista o
Horebe. É ali que o Senhor nos encontra. É ali que o Senhor nos
fortalece. É ali que recomeçamos. É ali que o Senhor nos dá novas
tarefas. Entre outras coisas, no Horebe o Senhor ordena a Elias que
cuide, também, de sua sucessão (1 Rs 19.15-19), além de lhe repreender
por achar-se o único que permanecia fiel ao Deus vivo. Havia outros sete
mil! Não somos os únicos. No dia em que formos tirados do mundo, outros
continuarão a obra. Portanto, cuidar da própria sucessão deveria
constar da agenda daqueles que ministram diante do altar.
5. O legado da transferência
Os capítulos finais
de 1 Reis e os dois primeiros capítulos de 2 Reis mostram que por algum
tempo Elias continua no exercício do seu ministério profético e cumpre
as missões recebidas de Deus no Horebe. Mas agora tem a companhia de
Eliseu. Este, ao ser convocado para segui-lo, toma o arado, transforma-o
em lenha, mata os bois e os assa, numa "churrascada" de fazer "inveja"
ao melhor gaúcho, em que todo o povo das redondezas participa, 1 Reis
19.19-21. Tal qual Elias, ele tem de desprender-se. Não pode deixar
atrás de si nenhuma possibilidade de voltar atrás. Tem de queimar as
pontes. Ou seja, não há volta para os que são chamados por Deus. Pode
até, se necessário, eventualmente, "fabricar tendas" para a
sobrevivência, como fez Paulo, mas isso é temporário. O chamado será
sempre a prioridade. Por fim, há um momento em que Elias começa a
caminhada final a partir de Gilgal, passando por Betel, Jericó até
chegar ao Jordão. Parece tratar-se da apresentação formal de Eliseu aos
alunos das escolas de profetas existentes naquela época. O processo de
transferência se inicia, mas Eliseu precisa acompanhá-lo até o fim. Como
ele tinha convicção da chamada, segue adiante. E no Jordão, numa
experiência mística, dá-se a transferência, quando a capa de seu
antecessor vem parar em suas mãos. Não há ciúme, inveja, desconfiança,
apego ao poder ou qualquer outro sentimento menor da parte de Elias. Ele
simplesmente passa o bastão na hora certa e ninguém tenta puxar o
tapete de Eliseu, 2 Reis 2.1-25.
Conclusão
Que o legado
de Elias nos sirva de exemplo. Que o nosso apego seja o Reino de Deus e
não o nosso império pessoal. Que a nossa glória seja a de Deus, e não a
construída pela nossa prepotência. Que tenhamos o bom senso de preparar
outros que deem continuidade ao ministério. Certamente não faltará
Eliseu em nosso caminho.